A glamourização do crime: por que o seriado Tremembé é um risco à consciência coletiva
O lançamento do seriado Tremembé trouxe à tona uma discussão urgente e necessária: até onde a indústria do entretenimento pode ir em nome da audiência? Quando a arte deixa de ser reflexão e passa a ser palco para a glorificação do crime?
O problema não está em retratar o universo carcerário, tampouco em discutir o sistema penal brasileiro — temas legítimos e socialmente relevantes. O ponto crítico é o tom com que a série faz isso. Ao colocar criminosos e assassinos no centro das atenções como se fossem figuras de fascínio público, Tremembé parece confundir empatia com idolatria, e humanidade com heroísmo.
O resultado é perigoso: uma produção que transforma assassinos em personagens de culto, enquanto suas vítimas são relegadas ao esquecimento. Em um país que ainda sangra por causa da violência, não podemos permitir que a narrativa midiática inverta papéis a ponto de tratar o algoz como protagonista admirável e o sofrimento humano como mero pano de fundo.
Há uma linha muito tênue entre expor a realidade e celebrá-la — e Tremembé a atravessa com uma naturalidade inquietante. Quando a trama busca “humanizar” criminosos, mas esquece de humanizar as vítimas, ela envia à sociedade uma mensagem distorcida: a de que o crime pode ser charme, de que o sangue derramado pode render fama, e de que a notoriedade substitui a culpa.
O perigo dessa abordagem não é apenas moral, é cultural. Jovens espectadores, em especial, crescem em um ambiente digital que premia visibilidade acima de caráter. Nesse contexto, transformar assassinos em ícones de audiência não é apenas irresponsável — é contribuir para a erosão da noção de certo e errado.
A arte tem o poder de iluminar as sombras da sociedade, mas não de acender holofotes sobre quem viveu nelas por escolha. Não se trata de censura, mas de consciência. Quando o entretenimento passa a naturalizar a crueldade, nós, como público, precisamos nos perguntar: estamos sendo informados ou seduzidos?
Tremembé poderia ter sido um retrato contundente da falência do sistema prisional, das falhas da justiça, ou até da complexidade humana. Mas preferiu o caminho fácil — o da espetacularização. O da inversão de valores. O da narrativa que, em vez de alertar, embala o crime em roteiro bem produzido e trilha sonora envolvente.
É hora de resgatar o básico: criminosos não são celebridades, e o sofrimento humano não é entretenimento. O que está em jogo não é apenas a qualidade de uma série, mas o que ela diz sobre quem somos — e sobre o que estamos dispostos a aplaudir.
