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Um em cada três casos de violência política na região metropolitana do Rio de Janeiro tem motivação de ódio, ou seja, envolve questões como racismo, misoginia, homofobia e transfobia. A constatação está em um estudo  da organização da sociedade civil Observatório das Favelas, divulgado nesta terça-feira (14).

O levantamento aponta que de janeiro de 2022 a junho de 2025 houve no Grande Rio 267 casos de violência política, sendo 89 com motivação de ódio.

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De acordo com o pesquisador Leandro Marinho, um dos autores da pesquisa, ao longo dos últimos anos, a política tem dado vazão para uma série de ódios que vêm sendo perpetrados e transformados em atos de violência política, “muito em função da ascensão da extrema direita no país”.

O estudo mostra ainda que, de 2022 para 2024, dobrou o número de ataques contra pessoas negras, passando de 17 para 30 casos.

“[O dado mostra um] padrão que é estrutural, histórico e recorrente de exclusão e silenciamento de lideranças políticas negras”, ressalta Marinho. Ele faz relação ainda com o aumento da presença de negros na política.

“Há uma relação entre o aumento de candidaturas negras e a maior vulnerabilidade dessas candidaturas”, pontua o pesquisador, que lembra o fato de as duas últimas eleições, 2024 e 2022, terem tido mais candidatos negros que brancos. Em 2024, 52,7% dos candidatos eram negros, segundo a Justiça Eleitoral. 

De 2022 para 2024, a violência política contra brancos passou de 33 para 30 casos.

Agressão verbal 

Os pesquisadores consideraram também como violência política a repressão a manifestações contra operações policiais. Entre os 267 casos de janeiro de 2022 a junho de 2025, os mais frequentes foram:

– agressão verbal: 15% dos registros

– repressão policial a manifestação política: 13%

– atentado contra a vida (não resultou em morte): 12%

– execução: 12%

– ameaça: 10%

– agressão física: 9%

– ameaça de morte: 8%

– ataque a manifestação política: 4%

– outros: 16%

Em 30% dos casos, o meio utilizado foi arma de fogo. Nesse período de três anos e meio aconteceram 33 atentados contra a vida e 31 execuções.

Agressores

Ao se debruçar sobre os dados relativos aos agressores dos casos de violência política, o Observatório das Favelas identificou que, entre os principais responsáveis estão:

– políticos: 59 registros

– policiais: 58

– grupos armados: 29

Dentre os atos cometidos por políticos, os mais comuns foram:

– agressão verbal: 19

– agressão física: 12

– ameaça: 9

Já nos cometidos por policiais, 44 dos 58 registros envolveram manifestação política:

– repressão a manifestação política: 35

– ataque a manifestação: 5

– prisão arbitrária na manifestação: 4

“É um dado que, sem dúvida, indica o quanto as instituições policiais são pouco afeitas à democracia, pouco preparadas para lidar com manifestações democráticas”, avalia o pesquisador Leandro Marinho.

Agência Brasil pediu comentários à Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, mas a pasta respondeu que não comenta sobre os dados, “uma vez que não tem conhecimento sobre a metodologia utilizada para sua coleta”.

Período eleitoral

O estudo do Observatório das Favelas nota que há acirramento dos registros de violência política em período eleitoral, classificado pelos pesquisadores de junho a outubro dos anos em que há eleição.

Especificamente sobre a Baixada Fluminense – região que concentra municípios como Nova Iguaçu, Japeri, Queimados e Duque de Caxias – os pesquisadores têm dados desde 2015. Na região, foi possível identificar 65 execuções no período.

Fora do período eleitoral, há uma morte a cada 75,6 dias. Dentro do período eleitoral, ocorre um assassinato político a cada 22,5 dias. “À medida que as eleições se aproximam, o ritmo dos assassinados mais que triplicam”, frisa o documento.

Pesquisa

Para fazer o levantamento, os pesquisadores lançaram mão de casos noticiados pela imprensa. A pesquisa considerou violência política não só a cometida contra políticos eleitos e candidatos, mas também contra militantes, cabos eleitorais e lideranças comunitárias.

Os dados foram coletados na região metropolitana da capital fluminense ─ o que inclui a Baixada Fluminense, região com histórico de violência política ─ e a Baía de Ilha Grande, no litoral Sul do Rio de Janeiro, região que, de acordo com os pesquisadores, recebe influência da atividade de milícias.

O levantamento foi feito em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Política e Violência (LEPOV) da UFF e o Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Sinal de alerta

O pesquisador João Trajano, coautor do estudo, pondera que “não dá para comparar, em termos de ofensividade, um homicídio, um atentado contra a vida e uma ofensa”. Mas, para ele, o estudo aponta um “sinal de alerta para a saúde e para o avanço da nossa democracia”, notadamente na política “miúda, do chão”, ou seja, mais longe da macro política, como no Congresso Nacional.

“Quando a gente junta todas essas dinâmicas e todas essas práticas, a gente percebe que existe uma lógica de atuação política totalmente contrária aos padrões liberais competitivos da política democrática”.

Rigor das instituições

O pesquisador do Observatório e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Rodrigues diz acreditar que um dos caminhos para diminuição da violência política no estado do Rio passa por mais rigor da Justiça Eleitoral na apuração de envolvimentos criminais de candidatos no âmbito da política municipal.

“Muitos cientistas políticos falam que as nossas instituições são fortes. De fato, do ponto de vista federal e alguns estados, sim. Mas quando a gente olha para a política local, elas são muito frágeis e muito contaminadas por essas lógicas, que ainda tem áreas de coronelismo, de clientelismo, de mandonismo”, avalia.

Rodrigues pede ainda ampliação do rigor para candidaturas de agentes de segurança pública. Ele nota que, atualmente, basta se licenciar que o agente pode disputar eleição e voltar ao cargo, se não for eleito.

“Uma quarentena para que o agente entre na política municipal, porque ele é um agente armado”, recomenda. “E o impedimento de que ele utilize o nome da sua atuação pública, seu cargo ou patente na urna para que esse capital de ser um agente armado do estado não seja convertido em capital político”, completa.

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