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O grupo de pesquisa Ginga, da Universidade Federal Fluminense (UFF), lança nesta terça-feira (21) o relatório Violações contra os povos de terreiro e suas formas de luta. A pesquisa inédita, fruto de um levantamento de 1.242 publicações realizadas por veículos da imprensa digital entre 1996 e 2023, revelam conflitos de natureza étnica, racial e religiosa que afetam os povos tradicionais de matriz africana no Brasil.

A divulgação do estudo é feita no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, data instituída em 2007 a partir da Lei no 11.635, e acompanha o anúncio do novo site do grupo de pesquisa, que contém o banco de dados utilizado pelo relatório e possibilita ao público baixar e filtrar informações. O documento, além de oferecer um vasto acervo de notícias divulgadas por jornais, revistas e rádios online sobre os povos de terreiro, traz também iniciativas de mobilizações por direitos humanos realizadas pelos religiosos de matriz africana.

Acervo

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A iniciativa, segundo o grupo de pesquisa, surge como uma forma de enfrentar a dificuldade de coletar dados sobre os conflitos étnico-raciais-religiosos, diante da subnotificação e da falta de detalhamento das denúncias institucionais. Para a professora de Antropologia da UFF e coordenadora do Ginga, Ana Paula Mendes de Miranda, a principal importância do acervo é estabelecer um instrumento público de pesquisa, com informações que traçam um retrato do país inteiro.

“Muitas vezes, tendemos a pensar de uma maneira muito fragmentada sobre os problemas sociais. Achamos que aquilo só acontece em determinado lugar e que em outros lugares não existe, então acho que é muito importante que tenhamos um processo de conscientização da sociedade”, afirma.

Conforme o estudo, a maioria das mídias analisadas é resultante de sites e portais de notícias (67,0%), seguido de jornais (23,1%), blogs (4,6%), revistas (3,5%) e rádios (1,8%) online. Dois grandes assuntos estão presentes no banco de dados, inicialmente organizado como uma lista de notícias. O primeiro trata das violações enfrentadas pelos terreiros, destacando os direitos desrespeitados dos povos de matriz africana, enquanto o segundo traz as ações de mobilização desses espaços.“Chamamos inclusive de violações porque, quando falamos de violência, ela está muito associada a alguma agressão física, à destruição, e temos uma ordem maior de violações”, explica a professora.

Com o banco de dados disponível para pesquisadores, ativistas, jornalistas, religiosos de matrizes africanas e público, a expectativa do grupo de pesquisas é que as pessoas também encaminhem notícias para serem cadastradas no acervo. “Sabemos que esses conflitos acontecem no país todo, mas, muitas vezes, embora existam delegacias especializadas nos outros estados, elas não divulgam dados sobre o que está acontecendo, não se organizam para produzir essa análise periódica e aí ficamos sem essas informações”, disse a professora acrescentando que “tendo as notícias, vamos ter como dizer que esse problema existe”, observou a coordenadora em entrevista à Agência Brasil.

Conflitos

Do volume de 1.242 publicações digitais investigadas, o grupo observou 512 eventos relacionados a conflitos de natureza étnico-racial-religiosa contra religiosos, terreiros, monumentos ou locais de prática religiosa e contra religiões de matriz africana de forma generalizada, como discursos de ódio e ofensa. O relatório também revela que invasões e depredações de locais sagrados (25,0%) e ofensas e agressões verbais (14,5%) são as violações mais frequentes.

Os principais alvos das agressões, de acordo com os dados levantados pelo Ginga, são lideranças religiosas (21,1%) e pessoas que cultuam religiões de matriz africana (15,2%). Nos 240 casos de religiosos e religiosas alvos de violações identificadas nas publicações, 103 (40,8%) eram pessoas do sexo feminino, sendo cinco delas mulheres transgêneros. Ainda, 48 (46,6%) delas eram lideranças de terreiro.

Além disso, publicações que noticiaram mortes violentas de religiosos e religiosas representam 7,6% dos casos. “O cenário que encontramos é cada vez mais visibilidade desses casos. Até 2021, tínhamos localizado 135 notícias tratando de violências. Nos anos seguintes, saímos de 299, em 2022, para 548 publicações em 2024”, afirma Miranda. Vizinhos dos terreiros são os principais acusados de violações, correspondendo a 10,9%. Em seguida, surgem traficantes, representando 7,6%.

Segundo a coordenadora, os casos de violência têm não apenas aumentado em quantidade, mas também em gravidade. “Antes, uma pessoa xingava a outra, agora temos casos de apedrejamento, de agressões físicas e de assassinatos. Encontramos 40 casos de mortes violentas associadas a conflitos desse tipo”. Um conjunto variado de fatores contribui para a situação, de acordo com a professora, que ressalta a valorização do discurso de ódio na esfera política.

“Nos últimos anos, tivemos um movimento político que estimulava determinados comportamentos e isso se configurou, sim, num agravamento do quadro de violações”, comenta. “Isso é um fator, mas estamos lidando com um fenômeno complexo que tem muitas coisas. Um outro caso, que faz com o Rio de Janeiro tenha muita visibilidade, é a atuação dos autodenominados traficantes evangélicos, sujeitos que agem de forma criminosa, principalmente na ocupação do território de forma armada e violenta. Esses sujeitos se julgam donos do território, governando de maneira ilícita, expulsando e proibindo terreiros”.

Mobilizações

Do total de publicações avaliadas, também foram observados 558 conteúdos que descreviam ações da sociedade civil e respostas do poder público para os casos de conflitos religiosos. Conforme o relatório, os atos e manifestações públicas somados representam 23,8% das ações, sendo os atos locais os mais expressivos (18,6%). As denúncias nas redes sociais (14,4%) também se destacam como forma de manifestação pública.

“Temos diferentes formas de mobilização, desde passeatas a atos públicos, denúncias aos órgãos de segurança, ações culturais, campanhas de conscientização, rodas de conversa e ações judiciais. Você tem um conjunto de ações que podem ser apenas da sociedade civil, mas podem ser também ações em parceria com os poderes públicos”, explica Miranda.

Além da Defensoria Pública e do Ministério Público, a professora aponta para a importância da atuação das secretarias de educação, uma vez que o relatório também investiga casos de intolerância no ambiente escolar, apesar de ações educativas representarem apenas 1% das atividades da sociedade civil nas publicações, assim como audiências públicas e grupos de trabalho. “A escola tem sido um lugar onde esses conflitos aparecem muito fortemente. Evidentemente, isso faz com as secretarias de educação sejam obrigadas a se posicionarem também”. 

“O racismo no Brasil está presente desde sempre, ele não acabou e, infelizmente, não vai acabar, mas acreditamos que fazendo um trabalho desse tipo estamos contribuindo para que os efeitos do racismo não sejam ignorados, para que os racistas não possam continuar fazendo o que fazem”, declara a coordenadora.

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

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